Boicote da Europa aos Estados Unidos é real e está sendo sentido em um dos setores mais lucrativos para os norte-americanos
- 15/04/2025

IGN Brasil
David Pereira tem 53 anos, mora na França e, como milhões de outros europeus, cresceu sob a influência da cultura norte-americana. As músicas que ele ouvia, as séries que assistia quando criança, os filmes exibidos no cinema local e os carros que sonhava em dirigir: todos “made in USA”. Por isso, quando Pereira se viu com dinheiro suficiente, decidiu fazer as malas e conhecer o país pessoalmente e, desde então, fez dos EUA um destino frequente nas férias.
Sua ideia era voltar ao Yellowstone neste verão com sua família. Mas depois de dois meses de governo Trump, Pereira mudou seus planos. Há alguns dias, ele admitiu em entrevista à CNN que decidiu cancelar a viagem. Seu caso se conecta com uma tendência que está começando a ser percebida no poderoso setor de turismo dos EUA.
Uma queda de 17%
O fato de a mudança de tom entre os EUA e a Europa estar afetando o turismo americano não é novidade. O setor vem enviando sinais nesse sentido há semanas. E de ambos os lados do Atlântico. Na Europa, há agências que estão percebendo uma perda de interesse dos europeus nos EUA desde começo do governo Trump. E, do outro lado do oceano, há organizações que estão começando a falar de uma queda na demanda no setor de turismo norte-americano.
A pista mais clara do que está acontecendo, especialmente no fluxo de turistas entre a Europa e os EUA, foi dada pelo jornal Financial Times (FT) há alguns dias em um artigo com uma manchete que deixa pouco espaço para outra interpretação: "Turistas europeus cancelam viagens aos EUA por causa das políticas de Trump".
Em que se baseia essa notícia? Basicamente em um importante dado: de acordo com dados da International Trade Administration (ITA), os visitantes da Europa Ocidental que passaram pelo menos uma noite nos EUA em março caíram 17% em comparação com 2024. Esse é um número considerável, especialmente considerando a importância do setor de turismo como um impulsionador econômico: o turismo representa cerca de 2,5% do PIB do país.
Há mais indicadores dessa queda? Sim, Trump ainda não completou nem três meses de Casa Branca, portanto ainda é preciso observar se essa tendência de queda se perceberá a longo prazo, mas nas últimas semanas foram publicados números e testemunhos que sugerem que algo está mudando no turismo dos EUA. E não para melhor. O Financial Times produziu gráficos que mostram que o fluxo de viajantes para os EUA despencou da Áustria, Reino Unido, Suíça, Alemanha, Noruega e Espanha, às vezes com quedas de mais de 20%. Os voos de diferentes regiões também sofreram uma queda.
No geral, a ITA constatou-se que 12% menos visitantes estrangeiros viajaram para os EUA em março do que no mesmo mês de 2024. E essa porcentagem exclui as chegadas de turistas dos países vizinhos Canadá e do México, dois mercados que também não parecem estar olhando com muito entusiasmo para os destinos turísticos dos EUA. É preciso voltar a 2021, quando o setor ainda estava sofrendo com a ressaca da pandemia, para encontrar números inferiores aos de 2025.
Essa porcentagem provavelmente foi influenciada pelo fato de a Páscoa ter caído em março no ano passado e, em 2025, cairá em abril, mas o setor reconhece que há uma tendência subjacente muito mais profunda e relacionada às políticas do governo atual dos EUA. "Está claro que algo está acontecendo... e é uma reação a Trump", aponta a Tourism Economics.
Ações em queda
Eles não são os únicos a apontar nessa direção. No início de abril, o grupo hoteleiro francês Accor SA, responsável por várias marcas e acomodações de destaque nos EUA, admitiu à Bloomberg TV que as reservas europeias para visitar os EUA neste verão caíram 25%. Os turistas parecem estar optando simplesmente pelo Canadá, América do Sul ou Egito. Na Espanha, a Confederação de Agências de Viagens (CEAV) também reconheceu, há alguns dias, que percebe uma perda de atratividade dos EUA para os turistas.
Diante desse cenário, a Tourism Economics rebaixou sua previsão para o setor de turismo EUA este ano. Enquanto em fevereiro ela previa uma queda de cerca de 5%, essa porcentagem agora piorou para 9,4%. A Voyageurs du Monde, da França, também disse à CNN que, desde a posse de Trump, as reservas para os EUA caíram 20%.
Provavelmente é a ansiedade de entrar em um território desconhecido", refletiu o CEO da Accor ao discutir a tendência com a Bloomberg. A verdade é que a mudança de tendência no setor coincide com um quadro geopolítico complexo: o distanciamento entre Washington e Bruxelas após o retorno de Trump à Casa Branca, a escalada da guerra comercial, os tambores da recessão, o discurso sobre o rearmamento europeu e, na opinião de Paul English, cofundador da Kayak, uma mudança na imagem da reputação dos EUA.
Nos últimos meses, vários países europeus atualizaram suas recomendações para viajantes aos EUA ou expressaram preocupação com as mudanças nas políticas de imigração e controle de fronteiras, incluindo diretrizes que afetam pessoas transgênero. A Dinamarca emitiu um alerta e o Ministério das Relações Exteriores da Espanha atualizou suas diretrizes. O apelo dos EUA também é influenciado por relatos de apreensões nas fronteiras.
O fenômeno, porém, vai além da Europa. A China emitiu alertas sobre a “deterioração das relações econômicas e comerciais” com os EUA e adverte seus cidadãos: “Avaliem totalmente os riscos de viajar para os EUA e viajem com cautela”. No Canadá, o Statistics Canada registrou uma queda de 23% nas viagens de carro para os EUA em fevereiro. No tráfego aéreo, a queda foi um pouco menor, mas ainda assim ficou em 13%.
Esses percentuai coincidem com outro fenômeno que vem sendo observado há meses, especialmente na Europa e no Canadá: o boicote aos produtos dos EUA em favor de bens e serviços nacionais ou de outros países. De fato, existem plataformas, grupos e até mesmo contas de mídia social, como “Made in CA”, “Boykot varor fra USA” ou Choose.Europe, que fornecem informações sobre produtos americanos e possíveis substitutos. Na Dinamarca, um grupo de lojas foi ainda mais longe e identificou com estrelas os produtos fabricados na Europa para incentivar o consumo de marcas do continente em detrimento das norte-americanas.
*Matéria traduzida e adaptada do site parceiro Xataka
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